Aqui, o outro poema, este de 1997, remetendo à linguagem de desenho. Gostaria de vê-lo em seu meio próprio, mas, se as letras me estão árduas, as artes plásticas não encontram possibilidade alguma em mim; quem for louco o bastante fique à vontade para transpor de versos a imagens.
Poême à la Dalí
No espaço crítico-paranóico, a dimensão além do físico, um ser merece destaque. Seu incrível e intrigante mundo exerce descomunal fascínio sobre os homens.
Chove
O céu escuro brilha com as lágrimas dos deuses
Dilúvio de prazer
Duas pontas rochosas emergem ao fundo
Línguas no céu da boca
Gafanhotos voam de trás para frente
Para lindas borboletas de quatro asas
Mais ao fundo, um elefante equilibra-se sobre membros longos
Caminha harmoniosamente sobre a água
Carregando pedra extremamente preciosa
Em forma de uma aparentemente simples esfera
Rachada ao meio, a esfera da felicidade
Um homem assiste maravilhado a todo este espetáculo
No centro, um lago
Emerge a Vênus de Milo
Contorcida em formosura sem igual
E os olhos do homem dançam em seu contorno
Então, como no conto,
Surge a espada
Excalibur
Vem a mão da senhora das águas
Segurando em chamas um coração
Na margem direita, homens
De costas uns para os outros
Beijam conchas, rosas...
Vulvas
Na margem esquerda, jaz um cofre
Macacos procuram desesperadamente algo
Uma chave... que está em cima da caixa
Cuja fechadura
Confunde-se com uma inocente menina pulando corda
Um pouco mais abaixo
Um abismo escuro abriga o Éden
Habitado pelos mais desejados sonhos
Ao lado,
A cabeça decepada de cabelos brancos de uma mulher
Mira um forte tronco
Sustentando vistosas folhas
Uma árvore
Já não se sabe qual é a mulher
À frente, perto de um vale
Apresenta-se
Majestosa, colossal
Uma figura feminina
Uma linda e atraente mulher
Branca como as asas do arcanjo
Ajoelhada
Uma das pernas apoia-se sobre bengala
Uma bengala vinda da própria terra
Que adormece próxima à divina capela
Do corpo feminino
Do tornozelo o pé
Sobram, apenas, vestígios de carne e osso
Seu doce sangue banha a terra
É alimento para as serpentes
Sua outra perna vai escurecendo
Culminando na perna de uma feroz pantera
Adormecida..., mas prestes a acordar
Seu pé
Enterra-se vagarosamente na areia
Ritmo sensual
Às suas costas, por entre um de seus braços
Encontra-se o perfil de um homem
Que se confunde com a paisagem
Seu olhar está envolto num círculo de fogo banhado por sangue
O círculo da luxúria
E a mulher tem-no firme
Numa de suas frágeis mãos
Ainda de suas costas
Nasce uma afiada e lustrosa lâmina...
... Perto, um homem está morrendo
Com seu dorso perfurado bem como a alma
Escreve seu epitáfio numa pedra
Duas ondas, lápide marmórea
Uma nuvem
Nos leva à altura de suas rosadas nádegas
De sua bela flor encoberta por uma de suas coxas
Em nossa nave, se esconde um tridente
Ela não tem boca
Formigas caminham abaixo de seu nariz
Seus olhos estão fechados, em charme inigualável
Uma das extremidades de seu rosto
Obscura, oculta-se
Sob uma misteriosa terceira mão
Seu cabelo esverdeado
Rebelde, esvoaça ao vento
A chama da alma
Dele crescem cobras
Navegam no universo de sua mente
Medusa
Sobre os seus pomposos seios
Enxerga-se um braço
Escalpelado do antebraço à mão
Estendida a uma outra mão
De fogo, vinda do além
Durante esse misterioso armistício
Nessa república do amor
Minha rainha soberana é a mulher
E eu sou...
Menos ainda do que um simples espectador
Menos que um grande artista
Porém mais que um apreciador das artes
Eu sou mais...
E eu sou seu escravo.